O que o episódio da escada de Jacó nos ensina sobre ética

Por Pacard.

 

Reza a história que Jacó deu uma bela rasteira no irmão, Esaú, que num acesso de fúria, desatou impublicáveis impropérios contra o desafeto irmão enganador (que por sinal, no idioma hebraico, Jacó traduz “Enganador” mesmo), e o pôs a correr.  Então Jacó correu, correr, correu, e quando estava com dois palmos de língua pra fora, parou para descansar. Dormir era a palavra mesmo que ele precisava naquela hora. Juntou então algumas pedras e fez uma cabaninha bem legal para proteção contra as feras, e largou o lombo no mais profundo dos sonos.

 

Eis senão quando (adoro isso, lembra aquelas velhas fábulas que vovó me contava), em seu sonho, vê uma escada surgindo de onde estava, que chegava aos céus, e por ela subiam e desciam anjos tocando suas harpas e entoando canções que deixavam qualquer sereia na lanterna da fila dos menestréis divinos. Só que não, porque sereias são fábulas e a história de Jacó é verdadeira, para os que, como eu, creem no relato bíblico.

 

Pois bem. Lá estava Jacó e sua escada apinhada de anjos. Fim do sonho.

 

 

O pobre Jacó acordou num misto entre o assustado e o maravilhado. E correu logo ao acordar para a escola do Mestre Sem, filho de Noé, que reunia e passava adiante os conhecimentos que chegaram até nós acerca do relato dos primeiros acontecimentos bíblicos, lá do livro de Gênesis. Em lá chegando, com os bofes saindo pela boca, começa a contar o que havia sonhado, e tão logo recebeu uns goles de água para que se acalmasse, relatou o seu sonho, todinho ao Mestre Sem, e pediu-lhe que lhe revelasse seu significado, pois acreditavam os antigos, que todos os sonhos possam ter um significado.

 

Sem, olhando para o moço Jacó, de língua de fora, com aquela serenidade dos profetas, perguntou:

– De que eram feitas as pedras, Jacó?

 

Se Jacó fosse gaúcho, este teria sido o momento histórico em que os “butiá do borso” haveriam de ter caído, sem sombra de dúvida. Mas então, o efebo atravessa no largo do passo o Deserto do Sinai, enfrentando escorpiões, sol abrasante, serpentes venenosas, vendedores de água “mineral” da bica, talibãs e outros perigos mortais, para consultar a milenar sabedoria do profeta, onde pensa Jacó, falar-lhe-ia acerca dos mistérios do Universo que tais anjos trariam á baila, mas em lugar disso, o homem das cãs, mastigando uma rapadura de tâmara, pergunta-lhe “de que material eram feitos os degraus da escada?”. Francamente!

 

Mas, como Jacó era apenas um rapazote que tinha feito meleca na tenda do pai, e não estava com a moral nem o moral muito elevados, deu-se por vencido, e respeitosamente disse que não havia percebido este detalhe, pois o alvor das vestes dos anjos era tal, que inebriava junto das melodias, e despertava atenção apenas a isso, já suficiente para quem conhecia no máximo historias sobre tais anjos.

 

 

– A atenção aos detalhes é chamada de “Perspicácia” – disse o Sábio. O homem que consegue ver além do brilho é um sábio.

 

– Sim, Mestre! Eu entendo isso. Mas o que havia de especial do material do qual eram construídos os degraus?

 

– Nõ havia nada de especial no material dos degraus, filho. Mas naquele material de que “NÃO” eram feitos tais degraus.

 

– Hã, quer um pouco de água Mestre?

 

– Não, acabei de beber lá na fonte.

 

-Não entendi então, Mestre. Por que eu tinha que reparar no material do qual não eram feitos os degraus? Era algum metal preciso que eu ainda desconheço? Irídio, talvez?

 

– O material do qual eu falo é pescoço humano, meu filho. A escada que viu não era feita de pescoços, e sim de pedras, ou qualquer outro material. Até mesmo este tal irídio que mencionou.

 

– Mas, Mestre! Pescoços são usados como degraus em alguma edificação?

 

– Mais do que imagina, meu bom jovem!

 

– E onde levam escadas construídas com tal material, Mestre?

 

– Ao inferno, meu filho. As escadas que levam ao céu são sólidas como o caráter de quem as pisa. As escadas para o inferno são moles como seus passantes, porque são feitas de costas e pescoços.

 

Jacó, desde aquele dia, tornou-se um homem cuja ética o precedeu na historia de seus dias. E seus pés jamais pisaram pescoço algum.

 

Trazendo para o presente tempo, onde o excesso de informação e a competição exacerbada desumanizam as práticas de mercado, onde chegar por primeiro e chegar sozinho, parece ser o objetivo, e não apenas consequência das nossas escolhas éticas, cabe uma reflexão acerca de nossa declaração de Missão de Empresa, ou Missão Pessoal, tão significativa uma quanto a outra.

 

 

Que tipo de empreendedor eu sou? Que tipo de resultados eu quero obter? Quantos e quais serão os meus obstáculos, e por fim, de que modo vou tratar meu concorrente, meu colega, ou o desconhecido que está diante de mim, como um desafio a ser vencido?

 

 

Estamos em permanente competição, mas temos sempre um objetivo, e para alcançá-lo, temos um caminho ou uma escada a galgar. De que ou às custas de quem pavimentaremos este caminho? Quanto vale a chegada, quando tivemos que derrubar tantos pelo caminho? O que passa a ser o sucesso para mim, desta forma, senão uma arena onde os fins justificam os meios empregados?

 

Sabemos que Jacó foi um patriarca, isto é, um gerador de nações. Que tipo de legado deixaremos aos que chegarem depois de nós? Uma escada firme, ou um amontoado de despojos?